A religião sob um olhar psicanalítico
Olá ceis estão bein?!
Neste post vamos falar um pouquinho sobre religião com base na monografia que desenvolvi para conclusão do curso de Psicanálise.
Entender o porquê de nutrirmos as práticas religiosas assim como seus impactos em nossa psique, pode nos ajudar em nosso processo de autoconhecimento (ao final do post você encontrará um link que traz o artigo original na integra).
Vamos lá!
O desamparo do homem, porém, permanece e, junto com ele seu anseio pelo pai e pelos deuses. Estes mantêm sua tríplice missão: exorcizar os terrores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente a que é demonstrada na morte, e compensá-los pelos sofrimentos e privações que uma vida civilizada em comum lhe impôs. - Sigmund Freud, O futuro de uma ilusão
Em uma publicação de 2018 o Site Super Interessante mostra que em média 11% da população se considerava ateia e não acreditava em Deus, ainda assim 89% da população mundial nutre algum tipo de crença religiosa, mas porque isso acontece?
Alguns estudiosos acreditam que a primeira manifestação religiosa surge em 1700 a 1100 a.c, porém existe ainda a possibilidade de que no período paleolítico práticas como enterrar seus mortos já fossem de certa forma uma manifestação religiosa, os primeiros homo sapiens sepultados de que se tem notícia remontam a cerca de 60.000 anos atrás.
Sob esta perspectiva a religião não parecia ter a mesma finalidade apresentada na atualidade.
Fato é que a religião existe, nós a criamos, assim como criamos os mitos, os deuses e a ideia de salvação.
A dependência religiosa segundo Feuerbach
“O sentimento de dependência é o único nome e conceito universalmente certo para a designação e explicação do fundamento psicológico e subjetivo da religião” (FEUERBACH, 1989, p. 34).
Feuerbach contesta ainda algumas teorias que definem o medo como o principal fator para o surgimento da religião, para ele não é o medo que gera a religião, antes ela surge pela dependência, pela busca de um ser divino que esteja objetificado fora do indivíduo “O medo é o sentimento da dependência de um ser sem ou pelo qual não sou nada” (FEUERBACH, 1989, p. 34).
Freud e a religião
Freud acreditava que a religião era a mola propulsora capaz de desencadear as neuroses, conceito amplamente discutido em seu primeiro escrito sobre o tema: Atos obsessivos e práticas religiosas, em 1907(FREUD, 1906, p. 109ss).
Para ele, todo aquele que pratica um ato cerimonial ou obsessivo pertence ao mesmo grupo de pessoas que sofrem com as chamadas ideias, impulsos e pensamentos obsessivos, todos relacionavam-se à neurose obsessiva.
“A psicanálise, em si, não é nem religiosa nem irreligiosa. É um instrumento sem partido, do qual podem servir-se religiosos e leigos, desde que o façam unicamente a serviço do alívio dos seres que sofrem”.
Carl Jung e a religião
Jamais alguma ciência substituirá o mito e jamais o mito poderá nascer de alguma ciência. Não é “Deus” que é um mito, mas o mito que é a revelação de uma vida divina do homem. Não somos nós que inventamos o mito, é ele que nos fala como “Verbo de Deus”. C.G. Jung, Memórias, Sonhos, Reflexões
Para Jung a religião era mental e refletia a observação de poderes espirituais.
Impactos da religião em nossa psique
Falar sobre a religião é algo desafiador, primeiro porque este tema abrange muitos outros e reduzir sua magnitude a uma fatia do bolo nem sempre é uma tarefa fácil.
É fato que ao longo da história humana a religião tomou um novo sentido de ser, quando observamos a prática religiosa de nossos ancestrais percebemos que de fato eles pareciam ter o desejo de exteriorizar a divindade que se escondia dentro de cada um deles, talvez porque a projeção os fizesse compreender seu papel na natureza.
Vemos ainda a criação de deuses humanizados através das mitologias e percebemos mais uma vez a projeção de características internas sendo atribuídas as divindades, isso é interessante, pois como imagens arquetípicas muitas vezes elas despertavam na mentalidade humana também tais poderes.
Durante a criação do artigo original falei um pouco sobre o cristianismo e como ele se tornou um divisor de águas no âmbito religioso, pois a partir daí o objetivo primordial da religião parece ter se perdido, deste ponto em diante religião e política tinham a função de submeter o homem a um poder supremo.
Freud trata toda essa construção de ideias religiosas como neurose obsessiva e de fato suas teorias têm todo sentido de ser, embora a religião em essência tivesse uma função nobre, a muito tempo não cumpre seu papel.
Quando observamos a constituição do sujeito e percebemos todas as influências que o mesmo recebe do meio em que vive não há como negar, a religião sim influencia a psique humana, e se isso se pautasse na busca pelo autoconhecimento, na compreensão do porquê de sermos humanos sem dúvida a religião assim como sugeria Jung seria um excelente suporte terapêutico.
Porém, o que vemos é um sistema que reprime, castra e sufoca toda e qualquer expressão do desejo humano, deturpa o conceito de sexualidade, demoniza as ações decorrentes das sombras que também fazem parte de nós, penso… quão doentio isso pode ser.
Além de toda esta problemática vemos também que muitas vezes o próprio sistema religioso rouba do indivíduo sua identidade, sua autonomia, privando-o de exercer sua liberdade em prol de um chamado líder que agora define o que ele pode ou não fazer com base nos dogmas e muitas vezes em sua própria vontade.
A necessidade humana em suprir a ausência de um pai às vezes tira do indivíduo sua racionalidade e com isso ele passa a se submeter a qualquer um com quem de algum modo se identifique mesmo que este não tenha a menor condição de conduzi-lo.
Se há implicações? Com certeza há.
Com isso não podemos invalidar a fala de Jung e até mesmo os benefícios que a prática religiosa promove a alguns de seus adeptos, seja através da alteração do seu estado atual ou pela esperança de quem um dia suas dores cessem, a questão é que ao longo do tempo a religião foi banalizada e assumiu vestimentas que não condizem com aquilo que inicialmente se propunha, por isso proponho ainda mais um questionamento, será mesmo que a religião é quem promove os benefícios, ou isso se dá pelo contato com o “espiritual” independente do contexto religioso.
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