Relato da Marina (nome fictício)
Meu mundo caiu quando percebi que, mesmo casada no papel, eu não estava casada.
Durante muito tempo, eu segui a vida acreditando que os altos e baixos que vivíamos eram comuns, parte de qualquer relacionamento longo. Mas um dia, sentada à mesa da cozinha, observando meu marido mergulhado no celular, a sensação de vazio me atingiu. A verdade era que, em algum ponto, deixamos de nos ver e de nos tocar de verdade. Estávamos juntos, mas a conexão, a parceria, e até o desejo, pareciam ter sumido. Percebi, com tristeza, que eu não tinha um casamento; o que eu tinha era uma convivência rotineira.
As conversas profundas se tornaram escassas, substituídas por diálogos curtos e práticos sobre contas, compromissos e tarefas. Na verdade, nem me lembro da última vez em que falamos sobre nós, sobre nossos sonhos ou preocupações. É como se houvesse um muro entre nós, algo invisível, mas intransponível, que me impede de me aproximar verdadeiramente. Ele parece estar confortável com essa distância, talvez nem perceba a solidão que ela me causa.
A rotina substituiu o romance, e as noites que antes eram de cumplicidade hoje são de silêncio. A cama que dividimos virou um espaço estranho; o toque e a intimidade se tornaram raros e mecânicos, quase inexistentes. Tento puxar conversa, criar momentos juntos, mas sinto que ele está longe, perdido em seu próprio mundo. E quanto mais eu tento preencher esse espaço, mais solitária me sinto.
No começo, eu me perguntava se era algo que eu estava fazendo de errado, se eu deveria ser uma esposa diferente, mais presente, mais compreensiva. Mas, com o tempo, percebi que era um problema de dois; ele também deveria estar ali, e simplesmente não estava. A ausência de parceria me fez questionar: como posso estar casada com alguém que parece nem estar ao meu lado?
Agora vivo nesse paradoxo – dividindo o teto, compartilhando o dia a dia, mas sentindo-me como uma estranha. É doloroso admitir que o casamento que um dia imaginei, aquele em que haveria apoio, compreensão e crescimento juntos, não existe. Tento fingir que é o suficiente, que talvez eu esteja exagerando, mas no fundo, sei que esse casamento, na essência, nunca existiu realmente.
Sobre o relato
Esse relato revela uma experiência de frustração e desilusão comum em relacionamentos onde há um "casamento no papel", mas não uma união emocional ou psicológica genuína.
Primeiro, a desconexão emocional que ela descreve pode ter raízes profundas, relacionadas às expectativas inconscientes que ela trouxe para o casamento. Muitas vezes, projetamos no parceiro a figura de alguém que preencha nossas carências emocionais, alguém que nos complemente e nos faça sentir seguros. Quando essas expectativas são frustradas, a sensação de vazio pode se intensificar, gerando um sentimento de alienação no relacionamento.
A falta de diálogo e de intimidade relatada também pode apontar para um mecanismo de defesa inconsciente, onde ambos os cônjuges evitam confrontar sentimentos desconfortáveis. Isso cria um "distanciamento seguro", onde os problemas não são discutidos e o silêncio se torna uma barreira invisível entre eles. Esse casal poderia estar fugindo de questões que, se trazidas à tona, demandariam uma reavaliação profunda do vínculo e das motivações individuais para estarem juntos.
Nossa amiga também descreve tentativas frustradas de reaproximação, indicando que a solidão pode ter sido uma realidade constante para ela, mesmo dentro da relação, isso nos leva a questionar como ela aprendeu a lidar com o abandono ou com a falta de reciprocidade emocional. Essa experiência de estar “casada sem estar casada” pode revelar feridas antigas, talvez uma predisposição a buscar aprovação e afeto, mesmo que não recebidos plenamente.
A situação descrita exige, portanto, uma reflexão sincera e profunda. Ela poderia se perguntar, por exemplo, "O que estou tentando preservar ao manter essa convivência?", ou "Quais necessidades minhas estão sendo negligenciadas e por quê?". Reconhecer o padrão emocional e o papel que cada um desempenha pode ser o primeiro passo para tomar uma decisão consciente: se vale a pena trabalhar para reconstruir essa relação ou, talvez, aceitar que esse casamento, do jeito que está, já não tem mais sentido para ambos.
Claro, aqui trago pontos reflexivos sobre a perspectiva de quem escreve o relato, porém isso não isenta o parceiro de sua responsabilidade, ele certamente não estava pronto pra assumir um casamento.
O casamento real não é representado por uma assinatura no papel, e sim por uma união de compromissos e valores que se constroem dia após dia. Ele se manifesta na parceria genuína, onde ambos estão dispostos a crescer juntos, apoiar-se mutuamente e enfrentar as dificuldades com empatia e compreensão. É o ato de compartilhar sonhos, respeitar as diferenças e cultivar o amor e a intimidade de forma consciente.
No casamento verdadeiro, cada um assume a responsabilidade pelo próprio crescimento e bem-estar, reconhecendo que a felicidade de ambos não depende do outro, mas é algo que ambos trazem para a relação. Em vez de esperar que o parceiro seja a fonte de sua felicidade, o casal constrói e compartilha momentos de alegria e conexão, encontrando felicidade na experiência de estarem juntos, apoiando-se mutuamente e criando uma vida em comum. É uma escolha diária de formar um “nós” que enriquece a vida de cada um, mantendo a individualidade enquanto fortalece a união.
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